terça-feira, 6 de maio de 2014

Fumaça

Apagou as luzes e deixou o ambiente à meia luz. Fechou as janelas e trancou a porta, evitando qualquer entrada. Sintonizou a televisão no canal fora do ar e extinguiu o volume. Sentado, acompanhado do uísque, meio esse necessário para engolir toda a ira que o mundo exterior o causava, entrava em seus devaneios de cabeça fazendo o mundo real inexistente.
Sacou seu meio-maço de cigarro e decidiu que aquele seria o ultimo. Olhou para o maço e viu dinheiro, vida, amor e doença. prostrou-se a por o cigarro na boca e acreditava que aquele seria o ultimo movimento. Tentou equalizar na mente as tantas vezes que o pois em tantas situações diferentes, lembrou-se, mas deixou de lado e o acendeu. Tragou o fogo forte e pode ouvir os pequenos estralos do cigarro queimando enquanto tragava.
Baforou a primeira tragada, baforou a nostalgia, lembrou-se de quando começou e do porque começou, não achou respostas, simplesmente começou a fumar, lembrava-se.
Tragou mais uma vez e manteve a fumaça nos pulmões. Veio a tona as situações em que foi necessário fumar. A tristeza, a angustia, o amor novo, o amor perdido, o amor desaparecido, os acidentes, as conquistas, as perdas e as vitórias. Soltou a fumaça quando se sentiu tonto. Olhou atentamente ao cigarro queimando e se lembrou de tudo que lhe tinha acontecido, acontecido com eles. Lembrou de quando morreu e voltou, lembrou de quando casou-se e se separou, lembrou-se de quando seu próximo o deixou, observava atentamente ao alaranjado que brilhava nas cinzas, via ali toda uma historia sendo queimada.
Não hesitou, não desistiu e continuou a fumar.
Enquanto a eternidade se passava em cinco minutos, olhava atentamente para o televisor fora do ar, podia enxergar ali todo o passado, qualquer filme, qualquer imagem que ali quisesse ver, enchia os olhos de lagrimas, sorria à meia-boca, fechava o rosto e ao final olhava atentamente aos erros que cometeu e as consequências que ganhou em meio a fumaça tabagista que consumia o comodo trancafiado
Sentiu o calor aproximar-se do seu dedo, olhou e viu a marca do cigarro se incendiar. Tragou pela ultimo vez o ício maldito, necessário, doentio e único. Escureceu a sua visão, sentiu o amargo do tabaco na sua boca e soltou lentamente a fumaça. Despediu-se do companheiro, despediu-se da minoria da sociedade, despediu-se do charme, despediu-se da história, despediu-se do passado.
Fez questão de jogar a bituca no chão e pisar, rodando o pé para desfazer todo aquela bituca, viu ali esmagando todo o passado condenado da fumaça. Entreabriu a janela e tacou seu meio maço. Não viu aonde caiu, não queria mais se lembrar daquele remédio para tossir, daquele passado que pesava nos pulmões e guardava momentos milenares. Brindou o ultimo gole de uísque à nova vida.
Fumou, bebeu e acordou.
Tudo isso na verdade tinha sido um pesadelo. Acordou em meio a noite e sorriu ao se sentir seguro de que o meio-maço estava na cabeceira da cama. Tomou a água e voltou a dormir.
Era na verdade o passado do subconsciente querendo voltar, mas passado este já estava guardado na estante. Era só mais uma tentativa angustiante de voltar.

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